Ao longo da história da tecnologia, presenciamos diversas discussões sobre padrões que cumpriam a mesma função, porém disputaram a preferência do mercado global. Estas discussões não levaram em conta aspectos técnicos de performance somente e também tiveram o tempero dos interesses de países, empresas e dos usuários.
Para ser breve na retrospectiva, cito aqui alguns embates: Betamax vs VHS, PAL-M vs NTSC, GSM vs CDMA e porque não citar a ampla discussão sobre padrões de tomadas e a controversa adoção da nossa tomada de três pinos – apelidada por alguns de jabuticaba tupiniquim.
Guardadas as devidas proporções em alocação de espectro de frequências, estamos fazendo parte de uma discussão sobre qual o uso devemos dar para os cerca de 1,2 GHz da faixa de frequência do 6GHz. Vamos entender um pouco mais sobre isso?
O que representa a faixa de 6GHz?
Antes de caracterizar essa faixa de frequências, é importante frisar que ela não tem nada a ver com o 6G, assim como a faixa de 5GHz não tem relação com o 5G. A letra G se refere a uma abreviação das gerações de redes celulares, tendo começado lá nos anos 80 com o 1G e incrementado uma geração por década até chegar no 5G atualmente.
Já o GHz corresponde a uma frequência do espectro de frequências. Esta tecnologia é tão importante para todos nós que para ser breve, diferentes frequências influem em nossas vidas de maneira diferente. Os diversos tipos de som e luz operam em frequências conhecidas dessa imensa escala numérica.
Já o range de 3 kilohertz até 300 gigahertz engloba toda a comunicação de rádio e parte dela é utilizada para a transmissão de dados em altas taxas. As redes celulares e o Wi-Fi, objetivo da nossa discussão, são propagadas em faixas de frequência próxima entre cerca de 400 MHz e 5 GHz.
Wi-Fi vs 4G/5G ainda é um embate?
Tecnicamente falando, para mim e uma ampla maioria das pessoas, ambas tecnologias são complementares em seu papel principal que é a transmissão de dados sem fio.
A coexistência delas se consolidou há cerca de uma década na transição entre as redes 3G e 4G. Naquela época as redes celulares não tinham capacidade de escoar todo o tráfego sem fio e o Wi-Fi, conectado aos links de banda larga fazia o papel de off-load do tráfego, onerando menos a rede móvel. Esta situação acontece até hoje. Pense quantos % do que você usa de internet é via redes Wi-Fi em casa ou no trabalho e quanto ocorre em redes celulares 4G ou 5G.
Devido a essa alta demanda por Wi-Fi, as faixas de frequência em uso estão bastante saturadas, sendo o 2,4 GHz saturado e pouco compatível com a demanda crescente de tráfego e o 5GHz já dando sinais de congestionamento e interferência de canais.
A solução seria alocar mais espectro e a solução pode passar pela banda de 6GHz onde o padrão Wi-Fi 6E opera. Nessa faixa de frequência, que tem uma largura total de 1,2 GHz, compreendida entre 5,925 GHz e 7,125 GHz, podemos ter um espectro mais amplo, disponível e com alta performance. Algumas medições reais em ambientes com alta concentração de equipamentos conectados nos trouxeram velocidades de cerca de 1Gbps (Gigabits por segundo).
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Mas qual é a questão então?
O ponto de discussão aqui tem sido se realmente é necessário destinar toda essa faixa de 1,2 GHz em 6GHz para o Wi-Fi ou se este espectro pode ser compartilhado em partes com as redes celulares.
Os países têm assumido posições diferentes em relação a este ponto. Os EUA destinaram este espectro na integralidade para o Wi-Fi enquanto a China defende o uso compartilhado com as redes celulares. O Brasil, que vinha se posicionando pelo uso exclusivo do Wi-Fi, abriu um caminho para rediscutir o tema e mais recentemente já se aventa a possibilidade de um leilão de frequências nessa faixa em 2025.
Esta mudança de posição do Brasil pode nos levar a um cenário aonde os primeiros 700 MHz fossem mantidos para o uso do Wi-Fi e os 500 MHz superiores para as redes móveis 5G.
Os defensores do Wi-Fi dizem que só 1,2 GHz em seu uso pleno pode habilitar casos de uso com alta demanda de tráfego, mobilidade e densidade no Wi-Fi. Para corroborar com esse posicionamento, é citado a dificuldade das operadoras em justificar o uso do espectro atual, o que tira a necessidade de uso adicional nos 6GHz.
Pelo outro lado, das redes celulares, se argumenta que o uso pleno do 6 GHz para o Wi-Fi só se justificaria se os usuários pudessem aproveitar de velocidades de 10 Gbits por segundo. Duas questões aqui são a disponibilidade de banda para o escoamento desse tráfego nos backbones e a demanda de casos de uso por velocidades nesse nível.
A saturação de espectro nas redes móveis também é uma justificativa, mas ela ocorre somente em áreas de alta densidade.
Por fim, um argumento que entendo ser válido tecnicamente, é a transição do Wi-Fi para mm Wave, ou seja, frequências por volta de 26 GHz. Como o uso do Wi-Fi é predominantemente indoor, a questão de cobertura e penetração e obstáculos pode ser mitigada com uma topologia de repetidores.
Enfim, há muita discussão sobre este tema e especialmente aqui no Brasil devemos ter um 2024 de muito debate.
Qual a sua opinião sobre o uso do espectro de 6GHz?
Sou Mauro Periquito, Engenheiro de Telecomunicações e Diretor Especialista de Prática na Kyndryl, onde desenvolvo e gerencio projetos de transformação digital para indústria, utilities, mineração, agronegócio e operadoras de telecomunicações. Em minha trajetória profissional tenho como propósito traduzir as necessidades dos clientes em soluções customizadas.
Também atuo em outras frentes como mentor, palestrante, conselheiro consultivo e escrevo diariamente no LinkedIn sobre gestão de pessoas, carreira, inovação e tecnologia, com a missão de trazer uma visão descomplicada sobre a tecnologia. Fui eleito no final de 2022 como LinkedIn Top Voice de Tecnologia & Inovação.
Durante minha carreira trabalhei em multinacionais no Brasil, países da América Latina, Espanha, Porto Rico, Emirados Árabes Unidos e Qatar. Em meu tempo livre, sou um grande entusiasta do ciclismo em seus diversos modos, incluindo o cicloturismo.
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