É bastante curioso como algumas palavras ganham significados novos ao longo do tempo. Ligar, por exemplo, eu imagino que lá nos primórdios tinha a ver com se importar. Quando o telefone foi inventado, na segunda metade do século XIX, passamos a usar essa mesma palavra para se referir a conectar em uma chamada de voz com outra pessoa.
A palavra apagar também teve uma jornada parecida. Saiu de apagar algo com uma borracha e derivou para apagar a luz com o invento da energia elétrica e a lâmpada e depois passou a se referir a apagar um arquivo digital.
A palavra cerne do nosso artigo de hoje é gêmeo. Se antes ela se referia a dois irmãos que nasceram no mesmo dia gestados pela mesma mãe, ela também representa um signo e uma constelação. Quando juntamos a palavra digital, voilà: um novo significado surge, mas nesse caso trazendo semelhanças com o original: uma cópia digital de uma estrutura física, processo ou um sistema.
Falando no segmento do mercado de infraestrutura, que tem todas as atenções voltadas para ele, o conceito de gêmeos digitais cai como uma luva. Afinal de contas temos 9 anos para universalizar o saneamento no país, levando água tratada a 99% da população e coletando / tratando esgoto de 90% da população. Metas ambiciosas que exigem não só um planejamento robusto de construções de novos ativos e reformas dos existentes, mas também muita tecnologia para trazer mais assertividade aos investimentos.
Vamos entender um pouco como os gêmeos digitais podem auxiliar grandes projetos e complexas operações do mercado de saneamento escalarem assertivamente?
O que são Gêmeos Digitais?
Como já abordamos acima, um gêmeo digital é a reprodução no mundo tecnológico de uma cópia de algo que pode ser um ativo de infraestrutura, XXX ou um processo.
Para a sua concepção, eles podem se utilizar do máximo de dados existentes sobre aquele ativo resultando em uma cópia digital fiel. Outra questão importante é a atualização em tempo real com os dados de diversos indicadores de performance coletados em campo.
Com esses modelos digitalizados e fiéis a seu gêmeo “real”, podemos fazer diversas simulações de comportamento e observar os resultados obtidos. É como se tivéssemos um simulador virtual no qual pudéssemos fazer ensaios sem precisar de um laboratório físico em tamanho real.
Este conceito não é novo e de maneira muito similar a outras tecnologias que usamos no dia a dia, surgiu na NASA, mais precisamente durante o programa Apollo. Lembram-se da frase: “Houston we have a problem.” ? Pois na década de 60 o incidente com os tanques de oxigênio da Apollo 13 desencadeou o desenvolvimento de 15 modelos simulados para entender o problema.
Mas por que esse tipo de solução não se popularizou antes? Por alguns motivos: falta de capacidade computacional para processamento, inexistência de softwares comerciais, indisponibilidade de conexão de alta velocidade e soluções de IoT que pudessem coletar os dados necessários.
Onde podemos usar os gêmeos digitais no saneamento?
O panorama atual do saneamento, apontado acima, exige um programa complexo de obras civis. Se por um lado precisamos expandir para levar os serviços para a população que não tem acesso hoje, por outro precisamos fazer intervenções no que existe sejam elas de reforma, ampliação e até desativação.
Em projetos complexos como esses, complexos cálculos matemáticos são usados para dimensionar o que será feito e o efeito prático de todo esse planejamento só é realmente visto quando as obras estão concluídas e aquele sistema entra em operação.
São diversos os casos de uso que podem se beneficiar dessa tecnologia:
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Estações de Tratamento de Água (ETAs) e Esgoto (ETEs). Desde o seu projeto de design que pode ser validado via um gêmeo digital, passando pela simulação em alterações na operação do ativo (aumento / diminuição de carga, mudança nas características fisioquímicas da água ou esgoto que entra na estação ou até como esse ativo pode se comportar em desastres naturais).
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No caso das redes de distribuição de água tratada, podemos simular em regime de operação normal, o projeto hidráulico, validando se os pontos mais críticos da rede, que receberão mais pressão, estão reforçados o suficiente. Também é possível determinar se os materiais dos tubos e suas bitolas também estão de acordo.
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Em redes de coleta de esgoto, pode-se prever qual a frequência que se deve fazer limpeza dos diversos segmentos. Pense que uma galeria que atende uma rua, tem menos chance de acumular sujeira e entupir do que uma que está em uma avenida principal recebendo esgoto de vários bairros.
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Outro exemplo muito interessante que afeta a vida de muitos de nós nas temporadas chuvosas são as redes de drenagem pluvial e os famosos piscinões. Aprendi outro dia que uma boa prática é dimensionar esse sistema para a pior chuva num intervalo de 100 anos. Com essas simulações, podemos entender onde são os pontos que precisamos dar mais vazão na drenagem e onde colocar piscinões criando buffers e diminuindo temporariamente a carga de despejo em rios.
Em redes pluviais que ainda não estão 100% preparadas para esse tipo de cenário com chuvas pesadas, podemos extrapolar os cálculos e prever em quais pontos da cidade precisamos ter pessoal preparado para ajudar em tarefas de desentupimento de vias e bombeamento de água parada.
Estes são alguns exemplos de uso de gêmeos digitais. Porém, não podemos esquecer que por trás do uso dessa tecnologia temos uma variedade de soluções para suportá-la:
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IoT
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Inteligência Artificial
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Edge Computing
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Cloud Computing
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Convergência IT/OT
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Cibersegurança
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Conectividade
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Você conhecia aplicações práticas de Gêmeos Digitais como essas do saneamento?
Publicado originalmente em mauroperiquito.com
Sou Mauro Periquito, Engenheiro de Telecomunicações e Diretor Especialista de Prática na Kyndryl, onde desenvolvo e gerencio projetos de transformação digital para indústria, utilities, mineração, agronegócio e operadoras de telecomunicações. Em minha trajetória profissional tenho como propósito traduzir as necessidades dos clientes em soluções customizadas.
Também atuo em outras frentes como mentor, palestrante, conselheiro consultivo e escrevo diariamente no LinkedIn sobre gestão de pessoas, carreira, inovação e tecnologia, com a missão de trazer uma visão descomplicada sobre a tecnologia. Fui eleito no final de 2022 como LinkedIn Top Voice de Tecnologia & Inovação.
Durante minha carreira trabalhei em multinacionais no Brasil, países da América Latina, Espanha, Porto Rico, Emirados Árabes Unidos e Qatar. Em meu tempo livre, sou um grande entusiasta do ciclismo em seus diversos modos, incluindo o cicloturismo.
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