O Marco Legal do Saneamento colocou um desafio para o setor no Brasil: universalizar o acesso à água tratada e a coleta somada ao tratamento do esgoto população brasileira até 2033. Aprovado em 2020, a meta é em 13 anos levar o serviço de água a 99% da população e esgoto a 90%.
Mas como estamos hoje? Segundo dados do relatório referente a 2022 do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), 32 milhões de brasileiros não tem acesso à água potável e 90 milhões de pessoas à coleta de esgoto.
Os mais otimistas calcularam investimentos de mais de UM TRILHÃO de reais que seriam injetados na economia até 2033. Também se falou em 6 milhões de novos empregos gerados.
A OMS estima que a cada dólar investido em saneamento, deixamos de gastar outros 4,3 em saúde pública. Sem contar os ganhos contabilizados em turismo, valorização imobiliária, redução da evasão escolar e dos afastamentos laborais relacionados a enfermidades geradas por falta de saneamento. Mais crianças nas escolas e menos afastamentos no trabalho significam mais produtividade na veia!
Mas o ritmo desses investimentos está bastante aquém do idealizado. De 2017 a 2022 a média de investimentos anual foi de R$ 20,9 bi, que se mantidos nesse patamar só teríamos a tão sonhada universalização em 2070 – 37 anos de atraso em um cronograma de 13 anos!
Mesmo com um cenário que inspira preocupações, os leilões de privatizações do setor seguem a todo vapor e R$ 331,6 bi já foram compromissados em investimentos. Nos próximos 2 anos deveremos ter mais R$ 115 bi em 13 novos projetos.
Este é o panorama do desafio que temos pela frente! Enquanto um lado é a questão dos investimentos em infraestrutura no país, outro é a saúde pública para a população.
Enfrentar esse panorama é um desafio por si só. No artigo de hoje, trago alguns exemplos de como a tecnologia pode auxiliar na ampliação dos serviços de saneamento.
Bora lá?
Devemos Investir em tecnologia no saneamento?
Esta pergunta é bastante complexa. A Infraestrutura que suporta o saneamento no país carece de investimentos em ampliação e remodelação de diversos ativos como:
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Adutoras
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Reservatórios
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Redes de distribuição de água e coleta de esgoto
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Estações de Bombeamento
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ETAs (Estações de Tratamento de Água)
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ETEs (Estações de Tratamento de Esgoto)
Isto sem contar o investimento em contratação e treinamento de pessoal ou a aquisição de maquinários e ferramentas especializadas para realizar as atividades mencionadas acima.
Neste panorama, priorizar investimentos em tecnologia pode parecer desafiador, porém casos de uso que gerem eficiência operacional e novos modelos de negócio podem fazer com que essa equação inverta.
Combate a perdas
Quando falamos de perdas em saneamento fazemos referência a água não faturada. Idealmente toda a água tratada deveria ser faturada, porém temos uma média nacional de 34% de perda com algumas localidades rondando os 90%. Na média deixamos de faturar um ter’do da água produzida enquanto países desenvolvidos tem indicadores abaixo do 5%.
Existem dois tipos de perdas entre as ETAs e os hidrômetros dos consumidores que podem ocasionar essas perdas:
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Perdas por vazamento: como as redes estão debaixo da superfície – não visíveis, a detecção de vazamentos é bastante difícil por inspeção visual. Aqui a tecnologia pode ajudar com robôs treinados para literalmente escutar vazamentos a partir de uma varredura feita na superfície sem necessidade de perfuração ou geofones operados por pessoas. Um algoritmo de IA treinado com os diversos tipos de ruídos pode fazer a interpretação do que encontra em tempo real, georeferenciando os pontos com vazamento para posterior solução.
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Perdas por fraude. Se no consumo de energia temos o famoso gato, aqui ele pode ser chamado de jacaré, pois “morde” a tubulação para captar água irregularmente. Estudar o perfil de consumo de residências e organizações cruzando dados de imposto de renda, localização de aparelhos celulares, domicílios de estudantes e histórico de consumo, pode-se entender porque uma família de 6 pessoas com ligação irregular paga uma fatura menor que um casal com ligação regular de água.
Segurança do trabalho
Diversos locais vitais para os serviços de saneamento necessitam ter uma rotina de vistorias que normalmente envolvem pessoas nessas tarefas. A questão é que em boa parte desses locais o acesso traz riscos a integridade dos operários, geram interrupções em avenidas para viabilizar as vistorias ou não possibilitam acesso. Uma solução para isso pode ser a instalação de câmeras e sensores que monitorem esses ativos e disponibilize dados com uma frequência maior do que vistorias ad-hoc. Outra possibilidade é o uso de robôs, drones e outros equipamentos móveis que possam fazer as medições necessárias.
Em algumas estações de bombeamento ou partes dos processos de tratamento de água e esgoto, mesmo que a operação seja automática, recomenda-se manter um operário de plantão para garantir a operação em caso de alguma falha. Como não é uma boa prática manter um operário solo em um ambiente remoto – pelo risco de acontecer algo com ele e não ter socorro imediato, aloca-se normalmente dois por turno. A tecnologia tem todo o ferramental para tirar ambos de campo e liberá-los para realizar tarefas que realmente necessitem de intervenção humana.
Implementando essas soluções estamos obtendo dados e monitorando com mais frequência, precisão e expondo menos operários a uma situação que possa colocá-los em risco de vida. IoT e conectividade são essenciais nesses casos.
Sustentabilidade nas Estações
O tratamento de água e esgoto seguem processos que, guardadas as devidas proporções, se parecem a receitas prontas. Deixando de analisar as características da água ou do esgoto na entrada das estações constantemente, perdemos a oportunidade de otimizar esses processos.
Mas qual seriam os ganhos resultantes dessas otimizações? Dois basicamente: economia nos produtos químicos ao ajustar as receitas mediante as características apresentadas em cada ciclo de tratamento e a diminuição no consumo de energia.
Falando em energia, o seu consumo alto é um calcanhar de aquiles para o setor. Quanto menos perdas e mais otimizados forem os processos, menor é o consumo de energia.
Mas como otimizar esses processos? Utilizando aplicações que analisem os dados coletados na entrada das estações e alavancados por uma base de conhecimento, ajustem os processos que podem ser monitorados por sensores e controlados por atuadores – ambos via alguma solução em IoT.
Redução nas manutenções
Peço licença aos engenheiros especializados em manutenção desses ativos e profundos conhecedores dos processos para dizer que precisamos deixar as manutenções corretivas e preventivas de lado para migrar em direção a um mundo preditivo.
Por exemplo: em uma estação bombeadora que está localizada no meio de uma avenida importante de uma cidade, podemos ter os seguintes comportamentos:
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Manutenção corretiva: utilizar um ativo até o evento de falha e aguardar o elemento de reposição para reestabelecer o serviço. Prática que não se adequa aos níveis de serviço exigido pelos órgãos reguladores.
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Manutenção preventiva: estabelecer condições para realizar manutenções baseadas em condição – quantidade de ligamentos e desligamento, horas de uso, quilometragem, etc. Pode levar a mais manutenções que o necessário, porém garante o funcionamento pleno.
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Manutenção preditiva: analisar a performance do ativo entendendo a curva de degradação dela ao longo do tempo. Encontrar o ponto ideal para troca. Isso só é possível com um sensoreamento dos ativos e uma ferramenta de análise dos dados coletados.
Em termos práticos, podemos reduzir a quantidade de vezes que temos que interromper o trânsito de uma via, içar a bomba e trocar peças que ainda poderiam funcionar por mais tempo. Economia de tempo, recursos humanos e financeiros.
E você: como acha que a tecnologia pode transformar o saneamento no Brasil? Compartilhe suas ideias nos comentários!
Sou Mauro Periquito, Engenheiro de Telecomunicações e Diretor Especialista de Prática na Kyndryl, onde desenvolvo e gerencio projetos de transformação digital para indústria, utilities, mineração, agronegócio e operadoras de telecomunicações. Em minha trajetória profissional tenho como propósito traduzir as necessidades dos clientes em soluções customizadas.
Também atuo em outras frentes como mentor, palestrante, conselheiro consultivo e escrevo diariamente no LinkedIn sobre gestão de pessoas, carreira, inovação e tecnologia, com a missão de trazer uma visão descomplicada sobre a tecnologia. Fui eleito no final de 2022 como LinkedIn Top Voice de Tecnologia & Inovação.
Durante minha carreira trabalhei em multinacionais no Brasil, países da América Latina, Espanha, Porto Rico, Emirados Árabes Unidos e Qatar. Em meu tempo livre, sou um grande entusiasta do ciclismo em seus diversos modos, incluindo o cicloturismo.
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