Será que falhamos em ativar o 5G?

Imagino que você ao ler o título, já esteja pensando… Logo ele que tanto fala de 5G, também vai questionar essa tecnologia?

Digo questionar, porque praticamente um ano depois da ativação do 5G muitas dúvidas pairam no ar. Depois de um período de empolgação com a tecnologia, o chamado Hype, começamos a ver na mídia muitos questionamentos sobre a performance e a utilidade do 5G.

Provocado pelo amigo Fernando Gomes de Oliveira Dias Neias que muito bem situou esse período que estamos passando como o vale da desilusão que é muito bem ilustrado pelo Gartner. Bora desmistificar a pergunta acima?

O que aconteceu até agora?

Nos dias 4 e 5 de novembro de 2021 tivemos o leilão do 5G o “filé” foram as outorgas de frequência na faixa de 3,5GHz para a operação do 5G. Aqui destaco três pontos muito bem endereçados no edital do leilão:

  • Faixa de frequências: Os cinco blocos organizados entre 3,3GHz e 3,8GHz estão em linha com as frequências utilizadas na maioria dos países. Isso evita uma jabuticaba brasileira e faz com que aproveitemos a grande escala de produção do mercado global não só de aparelhos celulares como também de chips para produção de equipamentos localmente, roteadores FWA, e devices / sensores / atuadores para serem usados em diversos casos de uso.
  • Rede Standalone: existem dois tipos de redes denominadas como 5G, as non-standalone, que ainda utilizam parte da core das redes 4G e as standalone que requerem uma instalação de uma nova rede dedicada. No edital brasileiro foi convencionado que só iriam contar para as metas de performance acordadas os sistemas com arquitetura standalone.

Nos últimos 11 meses (jul/22 – jun/23) segundo a Anatel, foram ativadas 12.000 ERBs (Estações Rádio Base) 5G no Brasil em mais de 100 municípios. Esse ritmo é mais acelerado do que o esperado em leilão – nesse ponto estaríamos com as capitais ativadas e os municípios com mais de 500 mil habitantes em curso. O ritmo de implantação é 3 a 4 vezes maior do que o progresso da ativação do 4G a partir de 2014.

Ainda nas ativações um trabalho a ser destacado é o da limpeza do espectro. A faixa de frequências onde o 5G está trafegando, já era ocupada por dois serviços anteriormente: transmissão de dados via satélite (FSS) e a famosa TV parabólica. O FSS está recebendo medidas de otimização do uso dos canais, leia-se filtros, e as tvs parabólicas estão migrando para a banda Ku, o que está proporcionando uma melhora na qualidade desse serviço.

Mas com tanta notícia boa, onde está o problema?

Dividirei a resposta em duas partes e irei direto ao ponto mais latente: a percepção dos usuários quanto a qualidade do serviço. Desde quando o 5G foi anunciado, a mídia e os analistas de mercado começaram a divulgar os benefícios dessa tecnologia com três principais destaques: velocidades acima de 1 gigabit por segundo, latência (ou atraso nos pacotes de dados trafegados) de zero milissegundos e 1 milhão de devices conectados simultaneamente por quilômetro quadrado.

Faço aqui o meu mea-culpa, pois também produzi muito conteúdo sobre as benesses do 5G. Diferente de 2013/14 onde poucas pessoas tinham acesso à internet móvel com banda e pacote de dados suficiente para navegar, hoje a população em geral depende muito do celular como ferramenta de conectividade. Então mais pessoas tinham altas expectativas sobre a chegada do 5G, que não se materializaram ainda.

Falando em cobertura, as obrigações do leilão vão até 2029 e mesmo com a antecipação do cronograma, ainda há um longo caminho pela frente. Hoje temos cerca de 100 mil ERBs ativadas no país. Como o 5G funciona em uma frequência mais alta do que o 4G, são necessárias 5 a 10 vezes mais antenas para fazer a proporcionar a mesma cobertura. Vai levar tempo, mas vamos chegar lá.

Outra questão é como contamos a notícia dizer que uma cidade recebeu a cobertura do 5G, no ponto em que estamos, não significa que há sinal 5G em todo o território do município se sim na região onde aquela ERB ou conjunto delas foi ativada. Provavelmente para facilitar esse início as operadoras estão usando os sites (torres) onde elas já têm cobertura 4G para ativar o 5G.

Como vimos acima que somente esses sites não serão suficientes para cobrir a mesma área, estamos passando por uma fase de ilhas de cobertura, que estão sendo ampliadas com a ativação de novas antenas veremos essas áreas de sombra, ou sem sinal diminuírem.

A super performance da rede também é uma dor sentida pelos usuários do 5G. Tenho recebido vários relatos de pessoas que têm a percepção de que o 5G está entregando velocidades menores do que o 4G. Aqui a minha análise é a readequação da topologia das redes que conectam as antenas 5G com os sites onde o core da rede que processa o tráfego está. Com necessidade de banda muito maior para proporcionar velocidades acima de 1 Gbit/seg e latências próximas de 0ms, aliados ao crescimento da quantidade de ERBs, há um grande trabalho em curso de adequação dessas redes óticas com lançamento de cabos país afora.

Sem julgar se essa implantação foi planejada e antecipada ou não, pense na dificuldade de passar cabos óticos por postes (aquelas obras de arte com emaranhados de cabos), galerias subterrâneas e até cortando ruas e rodovias para instalar novos dutos de passagem de fibra. Sem uma rede robusta por trás, não vamos chegar a performance que o 5G proporciona porque a rede será o gargalo.

Por último, porém não menos importante vêm os casos de uso. Além de proporcionar uma melhor performance para as pessoas, o 5G veio para viabilizar casos diversos casos de uso podem ser limitados pela falta de performance da rede. Porém, a velocidade da criação e adoção dos mesmos não está atendendo os anseios dos setores produtivos e esse tema vem sendo pauta de discussão em diversos eventos que participei recentemente.

A solução aqui, que ouvi em um evento desses e concordo é a união das partes interessadas para o fomento e desenvolvimento dessas soluções: startups, institutos de pesquisa, empresas, fabricantes de equipamentos, integradores de soluções e operadoras.

Pelo lado das redes vejo dois movimentos que já comentei em um post anterior:

  • Nas redes públicas de propriedade das operadoras, a ativação massiva de cobertura serve como viabilizador de casos de uso;
  • Já nas redes privadas, o desenvolvimento de casos de uso que individualmente ou em conjunto proporcionem um ROI (retorno do investimento) suficiente para justificar a implantação de uma rede dedicada vem antes da implantação dessa infraestrutura.

Portanto, apesar da percepção de muitos – e minha também de que ainda não temos o 5G entregando o que promete, a transformação que estamos vivendo requer tempo e é bem promissora, concorda?

Sou Mauro Periquito, Engenheiro de Telecomunicações e Diretor Especialista de Prática na Kyndryl, onde desenvolvo e gerencio projetos de transformação digital para indústria, utilities, mineração, agronegócio e operadoras de telecomunicações. Em minha trajetória profissional tenho como propósito traduzir as necessidades dos clientes em soluções customizadas. 

Também atuo em outras frentes como mentor, palestrante, conselheiro consultivo e escrevo diariamente no LinkedIn sobre gestão de pessoas, carreira, inovação e tecnologia, com a missão de trazer uma visão descomplicada sobre a tecnologia. Fui eleito no final de 2022 como LinkedIn Top Voice de Tecnologia & Inovação. 

Durante minha carreira trabalhei em multinacionais no Brasil, países da América Latina, Espanha, Porto Rico, Emirados Árabes Unidos e Qatar. Em meu tempo livre, sou um grande entusiasta do ciclismo em seus diversos modos, incluindo o cicloturismo.

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