Como a evolução dos satélites vem mudando a maneira que nos comunicamos?

Não faz muito tempo que quando pensávamos em satélites, a primeira coisa que vinha a nossa cabeça era a famosa TV parabólica, ou TVRO (Television Receive-Only) para os mais técnicos.

Antes dos lançamentos massivos de cabos ópticos, muitas das nossas chamadas telefônicas eram feitas via satélite. Chamadas para regiões remotas do Brasil ou outros países sempre vinham acompanhadas daquele delay entre as falas dos dois lados, gerando até uma certa confusão.

Tivemos orelhões, celulares e até internet satélite. Conectar os rincões do planeta custava caro e tinha uma qualidade bem questionável.

Voltando ao momento presente, estamos discutindo como constelações de satélite podem facilitar a chegada da conectividade de qualidade em qualquer ponto do planeta.

Mas o que será que mudou daquele tempo até hoje? Quais são os tipos de satélites existentes?

Vamos “orbitar” por essa jornada espacial?📡

Como tudo começou?

Imagine a década de 50, os famosos anos dourados, onde tivemos muitas mudanças no campo de tecnologia. A TV havia recém-chegado no Brasil e o mundo vivia em meio a um período de guerra fria que tinha na corrida espacial uma das maiores competições entre as potências.

Foi em 1957, mais exatamente no dia 04 de outubro, que essa corrida culminou em um dos maiores feitos dessa década: o lançamento e a colocação em órbita do primeiro satélite de comunicação do mundo, o famoso Sputnik 1.

Em novembro do mesmo ano, com o lançamento do Sputnik 2 foi enviada a famosa cachorrinha Laika em uma cápsula para o espaço. Ela morreu horas depois do lançamento.

Quase 70 anos depois já temos algo próximo a 8000 satélites em órbita no planeta. Mas será que tem espaço para todos eles no espaço?

Como eles operam em diferentes órbitas e camadas, a resposta é sim. Por falar em órbitas, vamos olhar os diferentes tipos?

GEO

Este acrônimo se refere a Órbita Equatorial Geossíncrona. Apesar do nome bem estranho, ele se refere a órbita geoestacionária que está em cima da linha do Equador a 35,786 km de altura da terra. Essa órbita também é chamada de Cinturão de Clarke, em homenagem ao escritor britânico Arthur C. Clarke.

Qualquer objeto posicionado nessa órbita está sincronizado com a rotação da terra, por isso se chama geo estacionário, pois sua localização não varia. Foi na década de 60 que começamos a ter os primeiros serviços de satélites estacionados nessa órbita: TV ao vivo e chamadas telefônicas que não dependessem de longos lances de cabos.

Avance mais o tempo e temos além dos serviços de TV parabólica e comunicações, a transmissão de dados com apenas uma questão. A latência gerada pela viagem de 35 mil km de ida do satélite incrementava um delay aproximado de 500ms. Isso gera uma experiência ruim para serviços que dependem de dados via satélite como, por exemplo, conexões internet.

Cinturão de Clarke e satélites GEO – Fonte: Gilat

 

Se com 3 satélites geo estacionários com 120 graus de abertura de feixe (sinal) podemos cobrir todo o globo terrestre, o espaço disponível para estacionar satélites nessa obra é bem maior. Apesar de haver espaço para cerca de 1800 satélites geo estacionários, atualmente devemos ter em órbita algo próximo de 600 satélites.

Pessoalmente o produto que tem me chamado atenção e que usa comunicação satelital GEO é o Spot, um rastreador via satélite com botão de SOS para resgate e salvamento e em alguns modelos pode até mandar e receber mensagens de texto. Algo que faz sentido para as minhas aventuras de mountain bike em lugares afastados.

Portfólio Spot – Fonte: Spot

 

MEO

Os satélites de média Terra, estão em uma altitude inferior aos GEO: eles orbitam o nosso planeta entre 5 e 20 mil km. Nessa órbita intermediária estão os serviços de localização como GPS (EUA), Galileo (Europa) e GLONASS (Russo). Como esses satélites não estão em uma órbita estacionária, dependendo da altitude um satélite pode levar entre 2 e 8 horas para dar uma volta ao redor do globo. Para cobrir todo o planeta, seriam necessários cerca de 20 satélites para cobrir todo o planeta.

Ao todo existem menos de 200 satélites orbitando na faixa MEO.

Rede GPS – Fonte: The Engineering Community

 

LEO

Aqui está o frissom do momento: as constelações de satélite de baixa órbita (LEO: Low Earth Orbit) que vêm revolucionando o mercado de conectividade. Mas essa história não é nova e começou lá no final da década de 80 com a Motorola lançando uma constelação de satélites para comunicação D2D (Device to Device).

Aparelho Iridium – Fonte: Iridium Museum

 

Era sim um produto revolucionário, mas o preço a ser pago era bem alto: 3 mil dólares pelo aparelho e 5 dólares o minuto de ligação. Apesar de certa forma essa rede existir até hoje, o Starlink revolucionou esse mercado com algumas ações simples que vem sendo acompanhadas por seus concorrentes.

A reutilização de foguetes lançadores de satélites fez com que o custo desse tipo de operação diminuísse e a eficiência aumentasse bastante. Outro ponto investido foi na experiência do usuário, criando um produto que fosse plug and play – praticamente impensável até então em uma solução via satélite.

Manual de Instalação Starlink – Fonte: Tom Hughes

Com a órbita mais baixa, de 500 a 1.200 km, o volume de satélites necessário para cobrir o planeta é bem maior e as voltas completas duram entre 1 hora e meia e algumas horas, dependendo se está mais próximo da linha do equador ou dos polos.

Pelos dados que apurei, temos cerca de 8 mil satélites orbitando em volta do planeta, sendo 80% deles de propriedade dos EUA e uns 5 mil somente da Starlink. Em uma rede tão complexa e capilarizada, nem todos estão ativos, já que além de ter satélites standby, muitos outros estão em rota de alinhamento após o lançamento – o que pode levar algumas semanas.

Para se ter uma ideia melhor dos números, em janeiro de 2024 tivemos 7 lançamentos de satélites Starlink colocando em órbita cerca de 153 satélites. O site Starlink Insider foi a minha referência para os números apresentados aqui.

Mas qual a vantagem das constelações LEO? A distância da terra! Como ela é infinitamente menor que os 37 mil km do cinturão de Clarke, a informação viaja muito menos tempo pelo espaço e a latência, ou atraso na entrega de pacotes diminui sensivelmente, chegando a valores similares de uma conexão em solo.

O que vem por aí?

Os IPhones começaram a disponibilizar um serviço nos EUA de SOS onde o telefone se comunica com uma rede satélite para envio de mensagens de texto e localização em caso de emergência. Uma iniciativa semelhante nasceu entre a Qualcomm e a Iridium para os aparelhos Android, mas foi encerrada recentemente.

A notícia mais quente desse mercado veio com o anúncio da Starlink do lançamento também no mês de janeiro de 6 satélites com capacidade de comunicação direta com o celular. Com um throughput inicial de 7 mbps por satélite, o projeto baseado em 4G promete mensagens de texto em 2024, voz e dados em 2025 e conexões IoT ainda no mesmo ano. Pode ser uma tremenda dor de cabeça para as operadoras? Talvez. Mas as declarações iniciais da Starlink a posicionam como uma provedora de serviço de conectividade para as operadoras e seus clientes.

Rede móvel Starlink – Fonte: Starlink Insider

 

Para mim, além de toda a praticidade em acabar com a falta de cobertura celular nos rincões do planeta, as redes satelitais aliadas aos dispositivos FWA (Fixed Wireless Access) têm o potencial de reduzir sensivelmente o emaranhado de cabos que entope nossos postes e galerias subterrâneas. Quando exatamente? Eu ainda não sei, mas certamente estamos mais próximos disso do que alguns anos atrás!

Sou Mauro Periquito, Engenheiro de Telecomunicações e Diretor Especialista de Prática na Kyndryl, onde desenvolvo e gerencio projetos de transformação digital para indústria, utilities, mineração, agronegócio e operadoras de telecomunicações. Em minha trajetória profissional tenho como propósito traduzir as necessidades dos clientes em soluções customizadas.

Também atuo em outras frentes como mentor, palestrante, conselheiro consultivo e escrevo diariamente no LinkedIn sobre gestão de pessoas, carreira, inovação e tecnologia, com a missão de trazer uma visão descomplicada sobre a tecnologia. Fui eleito no final de 2022 como LinkedIn Top Voice de Tecnologia & Inovação.

Durante minha carreira trabalhei em multinacionais no Brasil, países da América Latina, Espanha, Porto Rico, Emirados Árabes Unidos e Qatar. Em meu tempo livre, sou um grande entusiasta do ciclismo em seus diversos modos, incluindo o cicloturismo.

Artigos relacionados:

Bibliografia: